Proposta do Blog


"Tudo é impossível até que seja tentado!"
Esta frase é a que tem orientado a minha vida há
muitos anos e que acredito resumir muito
bem o espírito Asperger. A partir de agora, o (a) leitor(a) vai fazer comigo
uma intensa viagem ao mundo da Mente Asperger e seu funcionamento interno e
visão de mundo, minha vida ,minhas teorias sobre esta Síndrome(que em muita
coisa acredito aplicar-se também ao Autismo Clássico) e meu convívio com outros
Aspies.Como se sabe nos meios
científicos, a Síndrome de Asperger faz parte do Autismo, mas é considerada por
eles uma variação mais leve,parecida com o que chamam de Autismo de Alto
Desempenho.O porquê do título deste blog o (a) leitor(a) saberá ao longo dos tópicos e postagens que aqui serão inseridos com o tempo.
Desde já aviso, no entanto, que , embora não se
possa afirmar com exatidão e responsabilidade de que estas minhas idéias e teorias se apliquem a todos os Aspergers e
demais autistas,são aplicáveis sim a um grande número de casos.
Explico: A Síndrome de Asperger tem características
e manifestações com grande variedade de graus e diferenças muito pessoais entre
si, cada caso é um caso específico, e poucas são realmente universais.Uma
expressão que usarei muito aqui e que pode gerar dúvidas é “Neurotípico”,o
significado dela é o de pessoas que não são portadoras de Síndrome de Asperger,
nem são Autistas.Aqui também irei postar , além
de textos com minhas teorias e idéias sobre a Síndrome, também
apresentarei e comentarei notícias , vídeos e reportagens de televisão
sobre Asperger que coletarei da net,com críticas quando
necessárias.Igualmente o projeto abrange orientações a mães de Asperger
e sugestões a Terapeutas.Penso também na possibilidade de, de vez em
quando entrevistar um(a) terapeuta e/ou profissional de inclusão e
também outros aspies.
Isto dito, desejo aos leitores e às leitoras uma boa
leitura!

Cristiano Camargo
48 anos
Divorciado
Portador de Síndrome de Asperger, que superou as "limitações" de sua síndrome, tanto sociais como neurológicas, sozinho, sem remédios nem tratamentos,por opção consciente.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Atenção!Asperger na Escola !



Eu tenho visto últimamente muitos relatos de mães e as dificuldades delas em manter seus filhos nas escolas,e também tenho sempre recebido perguntas de várias mães que querem saber como eu era como aluno e analisar o meu comportamento daquela época em relação ao comportamento de seus filhos.
Claro que o contexto dos anos 70 era muito diferente do de agora: ainda não havia um diagnóstico sobre Asperger, e o próprio Autismo, em relação a hoje era muito pouco conhecido e pouco estudado.
Talvez eu tenha tido até sorte de ter nascido nos anos 60 e vivido a minha infância nos anos 70,pois o desconhecimento é, em muitos aspectos, similar à ausência para muita gente.Talvez este desconhecimento tivesse me protegido de certa forma de muita coisa que Aspergers e Autistas sofrem hoje em termos de desrespeito , intolerância, preconceito e incompreensão da Sociedade para com eles.
Mas, como fui como aluno?Como foi a minha vida escolar?
Vamos então retroceder no tempo, de volta ao longínquo ano de 1972:
Descia do ônibus um menino magricela e mirrado,contemplando a entrada do prédio do Colégio Vita Et Pax. Era um colégio particular, administrado por freiras, uma enorme e comprida caixa de concreto e vidro, em meio a um terreno enorme, razoávelmente próximo do Campus universitário da USP de Ribeirão Preto-SP.
Aquele menino mal tinha acabado de se mudar de uma estadia de três anos nos Estados Unidos e Europa, falava inglês fluentemente e tinha esquecido quase completamente o Português. Por isto, e por causa das leis brasileiras,ele teria de ser alfabetizado novamente, já que já tinha sido alfabetizado em inglês. Então, o que ele via diante de si era um admirável mundo novo a ser explorado!
Tudo era novidade , e tudo era excitação e alegria !
O garoto, fascinado por Dinossauros, já lia livros sobre paleontologia em inglês que muito adulto duvidava que ele fosse capaz de entender, mas que, para a surpresa destes mesmos adultos, bastava uma pequena conversa para eles se convencerem de que o garoto de nove anos não só entendia o que lia, mas sabia muito mais sobre o assunto que muito adulto por aí,e ainda tinha a petulância de manobrar o dedo em direção ao adulto, como se fosse um Maestro e ensinar como se fosse um Professor...
Eu não escondia de ninguém que era diferente de outros garotos, e gostava de ser assim. Ao contrário de muitos aspies de hoje em dia, que se sentem estranhos ou mesmo alienígenas em relação aos colegas neurotípicos, eu fazia questão de mostrar a todos minhas diferenças como vantagens. Ou ao menos tentava, pois eu ainda era muito ingênuo e sem noção.
Nos meus primeiros anos escolares eu era um bom aluno,e ia bem, porque o que eu estudara na América estava à frente do que eu estudara no Brasil, e o conteúdo era simples.
Desde o início ,minha matéria favorita era o português. Mas o que me deixava realmente ansioso eram mesmo as redações.
Enquanto a maioria dos outros alunos detestava redações, eu adorava!
Tanto, que, com o tempo, eu comecei a escrevê-las mesmo quando não eram pedidas,em outras aulas, de outras matérias. Eu me isolava no fundo da classe, e começava a escrever sem parar,só alternava com o desenhar.
Meu Mundo Interno de Fantasia naquela época ainda era muito incipiente e estava sendo construído.Enquanto eu sonhava com dinossauros, as estórias de Monteiro Lobato, os Clássicos da Literatura Mundial,e os desenhos animados que eu assistia,eu fui um bom aluno, ficava muito na classe, era quieto, isolado sim,mas pacífico e tranqüilo, e ia bem em todas as matérias.
Mas um dia cheguei à Quarta Série, e aí as coisas começaram a mudar.
Agora eu já sonhava muito mais e passei a ficar no fundo da classe com freqüência, e frequentemente, quando achava a aula chata e aborrecida,eu saía da classe e ia passear pelo colégio, ou pelo pátio do Recreio.
Adorava observar os ônibus escolares de perto e os observar, todos enfileirados , um ao lado do outro, e caminhava entre eles,admirados, na minha imaginação eles eram seres vivos e gigantes, e adquiriam vida própria!
Crescia com o tempo o receio(infundado) de que eles pudessem ligar seus motores sozinhos e me perseguir e esmagar.
Era um sinal. Um importante sinal de que meu Mundo Interior de Fantasia estava mudando, e mudando muito, radicalmente !
Tudo o que eu antes admirava estava se transformando em temor e insegurança.
E com isto, e talvez como tentativa de mecanismo de compensação,eu sonhava ainda mais e ia mais fundo no meu Mundo Interior de Fantasia,agora mais organizado e complexo.
Eu me lembro de ter assistido um Globo Repórter sobre dinossauros, cuja apresentação era cheia de esqueletos, e aquilo me apavorou .
Como os velhos esqueletos do Museu de História Natural tinham feito comigo antes, os pesadelos com dinossauros e esqueletos retornaram e admiração que eu tivera em 1970, agora era apenas Terror !
Nesta mesma época, meu pai, que era assinante da revista Scientific American, recebeu uma revista destas que tinha um esqueleto de leão na capa. Quando vi aquela capa de revista, aquilo me apavorou até os ossos !
Também desta época, meu saudoso irmão descobriu um livro de Anatomia do meu pai que tinha a foto de uma mulher que tinha hiper tiroidismo não tratado. Também fiquei aterrorizado !Meu irmão percebeu e começou a correr atrás de mim com o livro aberto, na página com a foto da mulher.
Outras vezes ele colocava o livro debaixo do meu travesseiro antes de eu ir dormir, e quando eu percebia o volume e tirava o travesseiro para olhar, eu levava susto e saía correndo gritando !
E ele ria, e ria...
Tudo isto se refletiu na minha vida escolar. Passei a ficar muito mais isolado,frequentemente desenhando e escrevendo no fundo da classe, não mais prestava atenção na classe, mergulhado profundamente no meu Mundo Interno de Fantasia. As escapadas da classe se tornaram mais e mais freqüentes, pois o barulho dos outros alunos e da professora ensinando me atrapalhavam a concentração no meu Mundo Interno de Fantasia e por isto mesmo me irritavam.
Mas, ao contrário dos garotos de hoje, eu não ficava irritadiço, nervoso , nem era agressivo com ninguém. Eu me auto reprimia e ia guardando dentro de mim todas as raivas, mágoas e frustrações. Eu não estava muito aí com lições de casa, eu queria era ficar imerso em mim mesmo o máximo de tempo possível, pois a realidade era um esqueleto, ou uma mulher com hiper tireoidismo,algo enorme e assustador !
O resultado foi que , pela primeira vez na vida, repeti de ano.
No ano seguinte eu mudei de colégio. Agora era um colégio pequeno e antigo que ficava dentro do Campi da USP, onde eu morava.
Foi nesta época da minha vida que meu interesse por carros floresceu e eles passaram a fazer parte integrante do meu Mundo Interior de Fantasia. Foi a época também de eu criar meu país imaginário, Ksares,e suas fábricas de automóveis, e seus personagens.
Lá não estudava apenas a elite da sociedade, como no Vita Et Pax, mas filhos de Professores universitários da USP como eu era e humildes filhos de funcionários da USP, todos misturados.
Mas foi lá que o bullying começou, especialmente advindo de alguns filhos de funcionários. Eu ainda era particularmente arredio a estudar, e só a minha paixão por matérias como Português, História e Ciências me seguravam, eram matérias em que eu ia muito bem e tinha prazer de estudar. Quando este ocorria,eu me escondia atrás do diretor da escola, Seu Nereu, que me defendia e punia meus agressores com rigor. Ele não sabia que eu era autista, mas percebia que eu era diferente, e sempre tomava meu partido. Anos mais tarde o Bullying já não era no colégio, mas na rua, com a Turma dos filhos dos Professores da USP. Só que uma hora minha paciência se esgotou, e reagi: freqüentei uma academia de halterofilismo, fiquei musculoso e bati nos moleques que me batiam, e nunca mais sofri bullying na vida.
Era extremamente comum, especialmente em Ciências e História, eu ser curioso e ler os livros didáticos até o fim, ao invés de ficar só até o ponto que a Professora estava ensinando. Quantas vezes eu não estudava estes livros autodidáticamente, lia e relia até o fim com gosto, e quando a professora dava matéria nova e perguntava coisas que ninguém sabia, eu sabia e a professora sempre me perguntava, espantada, como eu sabia a resposta antes da matéria ser dada...Eu sabia porque tinha estudado antes dos outros, e em várias matérias eu nem precisar estudar para provas precisava, passava com nota 10 sem sequer estudar antes da prova. Também pudera, muitas vezes estava eu na pequena biblioteca estudando livros de História ou Ciências da quinta, sexta série, sem ninguém mandar...
Eu era sempre o primeiro a responder os questionários, e não deixava ninguém mais responder, e não raro, me alongava no assunto da resposta 'a exaustão, com detalhes muito além da matéria estudada pela classe, e de vez enquando, alguns que nem a Professora sabia.Também ocorria de eu achar informações erradas nos livros didáticos e corrigir a irritada professora,que me achava arrogante por "querer saber mais que ela", mas quando ela ia estudar o que eu tinha respondido, via que eu estava certo, me pedia dseculpas e avisava a classe para corrigir a informação do livro...
Mas o grande problema era mesmo as outras matérias...as que eu não gostava.!
Nestas eu saía da classe sem ao menos olhar na cara da professora ou dar uma desculpa, e sem a menor vergonha, e ia para o pátio, ficar olhando os carros dos professores. Eu olhava para aqueles carros e os ficava analisando:Corcel, motor 1.4 de 68 HP, velocidade 140 por hora, tração dianteira, Dodge Dart SE,motor V8 de 199 HP, velocidade máxima de 170 kh/h,suspensão dianteira com barras de torção e trazeira de eixo rígido e molas semi-elípticas,Opala Gran Luxo duas portas,Karmann Ghia TC, VW TL1600,Variant...
Agora era uma enorme fascinação por carros que eu tinha, e ia tomando o lugar dos Dinossauros como assunto predileto. Uma das minhas leituras prediletas era a revista Quatro Rodas, que eu colecionava fervorosamente.
Eu era assim: péssimo em matemática, ia mal até nas provas, mas calculava a relação peso/potência ou potência específica dos motores ,ou reja a relação HP/litro, ou ainda relação potência/torque e tudo isto detestando matemática...
Nos desenhos, eu calculava a proporção dos desenhos de carro, em que cada centímetro desenhado equivalia a vinte e seis centímetros reais, muitas vezes de cabeça, e continuava detestando matemática e tirando zero...
Passei ainda assim na quarta série e repeti a quinta. Durante este tempo, eu não fiquei só observando carros, ou imaginando meus personagens de Ksares;havia uma garota, um ano mais jovem que eu, de doze anos, que era bastante desenvolvida para a sua idade, com busto excepcionalmente avantajado, e que era visívelmente apaixonada por mim.
Eu já não correspondia a este sentimento porque naquela época, que também foi a época das minhas primeiras paixões(não correspondidas )as minha vida,eu só me apaixonava pelas loiras de olhos azuis, e esta garota, de apelido Baixinha(pois era mais baixa que eu),era branca de cabelos morenos e olhos marrons.
Era na verdade muito bonitinha, mas eu a tratava como uma amiga.Mas ela gostava tanto de mim que se insinuava: gostava de rolar na grama do recreio comigo,abraçada bem apertada, tentava me beijar, jogava futebol comigo fazendo de tudo para que minha mão fosse nas nãdegas dela,e uma vê por muito, muito pouco um beijo na boca não saiu!
Mas depois daquela época fui para uma escola diferente e não nos vimos mais.
Logo depois de sair da Escola Getúlio Vargas, esta pequena escola estadual onde vivi tudo isto, foi a vez de eu ir a uma outra escola estadual, desta vez considerada de elite e localizada num bairro de elite, a Alcides Correia.
Lá eu continuava aéreo,e repeti a quinta série. Também largava as aulas que eu não gostava ou ficava desenhando e escrevendo no fundo da classe.
Iniciaram-se as aulas particulares e passei a sexta e sétima séries, com dificuldade. Quanto mais complexa a matéria, mais aumentava a dificuldade, por falta de base de matérias anteriores. Repeti a oitava série.
E assim foi, fiz depois o Colegial Supletivo a noite, e repeti a segunda série três vezes. E eu permanecia mergulhado no meu Mundo interior de Fantasia.
Finalmente, com enormes esforços, consegui passar o Segundo colegial e o Terceiro. Não posso deixar de dizer que quando completei o Colegial, foi um enorme alívio para mim não ter mais a obrigação chata de ter de ir numa escola todo santo dia e estudar. Meu negócio mesmo era ficar em casa ou numa biblioteca e estudar só o que eu gostava, autodidáticamente, sem ninguém para ficar me ensinando. Sempre fui um auto didata por natureza. Assim sim, eu tinha prazer de estudar !
E acreditem, eu aprendia muito melhor comigo mesmo ou com os livros me ensinando do que com os Professores.
Eu poderia até me estender até minha vida universitária, mas o artigo já se estendeu demais, fica para outro artigo qualquer dia destes.

Cristiano Camargo

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