Proposta do Blog


"Tudo é impossível até que seja tentado!"
Esta frase é a que tem orientado a minha vida há
muitos anos e que acredito resumir muito
bem o espírito Asperger. A partir de agora, o (a) leitor(a) vai fazer comigo
uma intensa viagem ao mundo da Mente Asperger e seu funcionamento interno e
visão de mundo, minha vida ,minhas teorias sobre esta Síndrome(que em muita
coisa acredito aplicar-se também ao Autismo Clássico) e meu convívio com outros
Aspies.Como se sabe nos meios
científicos, a Síndrome de Asperger faz parte do Autismo, mas é considerada por
eles uma variação mais leve,parecida com o que chamam de Autismo de Alto
Desempenho.O porquê do título deste blog o (a) leitor(a) saberá ao longo dos tópicos e postagens que aqui serão inseridos com o tempo.
Desde já aviso, no entanto, que , embora não se
possa afirmar com exatidão e responsabilidade de que estas minhas idéias e teorias se apliquem a todos os Aspergers e
demais autistas,são aplicáveis sim a um grande número de casos.
Explico: A Síndrome de Asperger tem características
e manifestações com grande variedade de graus e diferenças muito pessoais entre
si, cada caso é um caso específico, e poucas são realmente universais.Uma
expressão que usarei muito aqui e que pode gerar dúvidas é “Neurotípico”,o
significado dela é o de pessoas que não são portadoras de Síndrome de Asperger,
nem são Autistas.Aqui também irei postar , além
de textos com minhas teorias e idéias sobre a Síndrome, também
apresentarei e comentarei notícias , vídeos e reportagens de televisão
sobre Asperger que coletarei da net,com críticas quando
necessárias.Igualmente o projeto abrange orientações a mães de Asperger
e sugestões a Terapeutas.Penso também na possibilidade de, de vez em
quando entrevistar um(a) terapeuta e/ou profissional de inclusão e
também outros aspies.
Isto dito, desejo aos leitores e às leitoras uma boa
leitura!

Cristiano Camargo
48 anos
Divorciado
Portador de Síndrome de Asperger, que superou as "limitações" de sua síndrome, tanto sociais como neurológicas, sozinho, sem remédios nem tratamentos,por opção consciente.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Alerta aos Pais:Choque de Realidade=Regressão Perigosa !


(Este artigo foi escrito emAbril de 2010)

Vou comentar aqui algo muito importante da vida e mente dos aspies, e de um erro muito comum que mães e pais de aspies pode vir a cometer, revelando aqui os riscos e perigos deste erro, que podem vir até a serem para a vida toda,ilustrando com uma pequena passagem da minha vida.
Trata-se do "Choque de Realidade":
Existem muitos pais e mães(como os meus, por exemplo) que, talvez pressionados por sua própria educação e pela sociedade convencionalista acabam cometendo um grave erro: o de acharem que dando ao filho um "choque de realidade", possam forçar o filho a aceitar a realidade como os pais acham que ela é, e forçá-lo a amadurecer rapidamente em tempo recorde,ou ainda achando que os filhos tendo de se virar sozinhos, ficarão "curados da Sindrome",como se qualquer destas coisas fosse possivel...
Muito bem, aqui vai então, para ilustrar a dimensão que este erro tem e terem uma idéia das consequencias terríveis que este erro grave pode causar no aspie e no proprio relacionamento dele com os pais,aqui vai um pequeno relato de uma pequena parte da minha vida:

Ribeirão Preto,dezembro de 1985:

Eu tinha 22 anos de idade, e morava com minha mãe, na cidade de Ribeirão Preto,interior do Estado de Sao Paulo.
Meu pai (que morava na capital)estava inconformado que eu vivesse na casa da minha mae,fazendo um cursinho atras do outro ,sem nunca entrar na faculdade, e decidiu que era a hora de ele me dar um "choque de realidade" .
Ele decidiu entao que eu iria me mudar para a cidade natal dele, São Carlos, também no interior de Sao Paulo, e lá eu iria entrar e cursar uma faculdade e morar sozinho ou numa república.Ele achava que assim eu deixaria de ver a vida cor de rosa, aprenderia a dar valor ao meu pai, ao esforço dele, ao dinheiro dele, e que eu iria aprender na marra a ver a realidade como ele achava que ela era e assim, aceitaria resignado e de cabeça baixa, a realidade e viveria nela com "sucesso".
Muito bem.Um belo dia ele chegou na casa da minha mãe e me disse os planos dele como se tudo já estivesse decidido por ele,sem nem ao menos perguntar minha opinião, nao importando a ele se eu queria ou não ir.Isto ficou bem explícito nesta frase que ele me disse:
-Ou você vai, ou você vai, você nao tem opção!
Ansioso , querendo tudo para ontem e nem se importando tambem com a opinião da minha mãe, se ela queria ou nao que eu fosse, ,convenceu minha mae, que o apoiou, e me colocou no Landau dele e me levou para São Carlos naquela mesma tarde, onde ele alugou para mim um quartinho no fundo de um estacionamento.
Dias depois eu vinha de mudança e me vi sozinho, de repente, eu que a vida toda tinha morado com minha mãe, ajudando -a em tudo nos afazeres do dia a dia, eu que estava imerso no meu mundo interior e nada sabia da realidade, me sentindo abandonado por meu pai,escorraçado da minha vidinha tranquila de então,jogado no meio do mundo, de lugar nenhum, no meio do nada,sozinho e com apenas a minha mesada para me virar.
As noites que se seguiram dali por diante foram sempre terriveis!
Logo me inscrevi no cursinho, e la tentei estudar, com muita dificuldade, lutando contra a depressão temerária, o desânimo,a mágoa feroz de estar fazendo algo contra a vontade, forçado, vivendo numa cidade que nao era a minha e uma liberdade que eu não queria.
A noite eu nao conseguia dormir.Minha insegurança era tanta que eu achava que haviam ratos no quartinho, e a noite eu tinha "delírios" com barulhos de ratos andando pelo teto e sons que pareciam risadas sinistras.
Resultado: com o tempo, passei a não dormir mais a noite:a tv ficava ligada a noite toda com o som bem alto e quando a programacão da tv acabava,eu ligava o radio, o silencio era simplesmente apavorante para mim , pois os barulhos de ratos e as risadas fantasmagóricas podiam voltar a qualquer momento.
Depois de anos fui descobrir que não haviam ratos lá, e as tais risadas sinistras eram na verdade grilos e pássaros noturnos.
Desesperado, me refugiei ainda mais fundo no meu mundo interior e passava agora muito mais tempo la por dia do que antes de mudar de cidade.
Eu dormia de dia, e tinha pesadelos terriveis!
Meses se passaram e veio o vestibular da UFSCAR, Universidade Federal de São Carlos.
Primeira chamada-nada !
Segunda chamada-nada!
Terceira chamada:Passei !
Eu tinha entrado na faculdade, mas no curso errado!
É que na epoca, havia uma regra que dizia, que quando se fizesse a inscriçao para o vestibular .alem do curso que se queria, a pessoa era obrigada a escolher mais dois cursos, daqueles que ninguém quer:Química, Matematica e Estatistica.
O curso que eu queria era Biologia(meu mundo interior na epoca estava na fase de interesse por estudos do comportamento animal, especialmente de lobos e raposas), mas acabei entrando em Estatistica.
Ora, Estatística tem muita matemática, e sou péssimo em matemática, detesto matemática, e o meu histórico escolar não me dera base suficiciente de matemática para enfrentar um curso destes.
Minha vontade era de desistir e voltar para a casa da minha mãe,mas amedrontado com a possivel reação que meu pai pudesse ter, acabei tentando fazer o curso.
Porém,com o tempo vi que isto era impossível:as aulas eram simplesmente grego para mim e os professores não ajudavam, dizendo que se eu tinha entrado no curso,era pressuposto que eu tivesse base de matemática para acompanhar o curso.
Ainda tentei estudar com uma professora particular, mas a diferença de base era tanta, e o desânimo de fazer algo forçado, contra a vontade, e que nao tinha nada a ver comigo acabaram vencendo e desisiti.
Mas nao podia largar a faculdade, pois temia que meu pai me largasse lá, sem mesada, e eu acabasse morrendo de fome.Claro que ele não faria isto, mas era a minha insegurança que eu tinha.
Não havia outra saida:eu tive de fingir que estudava e assim foram por três anos.
Durante este tempo, eu passava muito tempo no meu mundo inteiror, indo a biblioteca da faculdade, ou a pública da cidade, lendo livros de comportamento animal e paleontologia, e também em casa, escrevendo meus livros e desenhando carros.
Como eu me virava no dia a dia?
Como eu so tinha um fogãozinho duas bocas(mas não sabia cozinhar) e uma geladeira velha e usada,eu tomava café da manhã numa lanchonete,e almoçava e jantava em outra, vivendo a base de sanduiches e panquecas
como a mesada que meu pai me dava nao era ruim, eu podia me dar a este luxo.Só o que eu não sabia na época é que eu já devia estar diabético,como sou hoje em dia.
Só fui descobrir isto anos, depois, em outra fase da minha vida.
Eu tinha uma faxineira que vinha uma vez por semana e ela também lavava minhas roupas, já que eu não tinha máquina de lavar.
Mas minhas noites continuavam um inferno e o tédio me corroía, e cada vez mais aumentava minha mágoa ao meu pai ter me colocado para viver ali,colocando nele a culpa pelas minhas desgraças e pesadelos.
Mas nas poucas vezes que ele vinha me visitar, eu era submisso a ele e tinha de fingir 'a duras penas que era feliz, estudava e gostava daquela cidade da qual hoje tenho lembranças tão terríveis!
Além de me ver jogado naquele fim de mundo, me vi separado dos dois únicos amigos que eu tinha na vida, e da menina que eu gostava(mas não conseguia namorã-la)tudo isto só aumentou minha mágoa ainda mais!
Com o tempo comprei uma motinha mobylette, e depois, como eu sonhava muito em ter um carro, fui colocando dinheiro na poupança(90% do que eu recebia de mesada mensalmente) por um ano e comprei finalmente meu primeiro carro, um Dodginho Polara branco 1976.
Com meus fantasmas e delírios recrudescendo e meu mundo interior virando um inferno tão terrível quanto a realidade cruel que eu vivia,passei a dormir todas as noites dentro do carro,era a unica maneira de eu dormir a noite,onde,tresloucado pelas miríades da loucura,eu achava que de alguma forma o carro me protegeria.Mas minha paranóia era grande demais e eu não confiava totalmente na "proteção" do carro, e sonhava que morria sufocado dentro do carro, sem ar.E mesmo dentro do carro, os barulhos de ratos e as gargalhadas continuaram, fora o pânico, pois minha imaginação galopava, e eu tinha medo de ver os ratos andando pelas janelas do carro, depois medo de espíritos e fantasmas, depois medo de dinossauros, e os pesadelos cada vez piores, não paravam de piorar!
Mas no ano seguinte, depois de ter ficado um ano economizando cada centavo e quase passando fome para comprar o carro,percebi finalmente que o carro me dava a liberdade que eu precisava para ter um alívio dali, e passei a viajar para Ribeirão Preto de carro todo fim de semana, e depois fui aumentando o número de dias por semana que eu ficava na minha mãe.
No terceiro ano,passei a morar num hotel em São Carlos nos poucos dias por semana que eu ficava na cidade, só para não ter de dormir mais naquele quartinho maldito, e foi então que os pesadelos começaram a passar.
Afinal eu estava acostumado a vida inteira com uma casa confortável e grande, e não com um quartinho de 3 metros por um e meio, mais banheirinho e varandinha.
Um belo dia meu pai descobriu que eu fingia estudar e que eu já tinha sido jubilado da faculdade, e me deu uma bronca de uma hora inteira pelo telefone.
Fiquei calado e nada respondi, tanta a minha insegurança de enfrentá-lo!
Como ele já tinha cortado minha mesada mesmo, peguei o carro e me mudei de volta para a casa da minha mãe, onde eu me sentia protegido e amado, e aos poucos, a sanidade mental foi voltando.
Meu inferno tinha finalmente terminado, mas as marcas ficaram para sempre.
Durante este período, de 1986 a 1989,houve uma tremenda regressão na minha psiquê,uma infantilização poderosa no meu jeito de ver o mundo, eu odiava ainda mais a realidade e não a aceitava de maneira alguma!
O corte na mesada, asim como do relacionamento com o meu pai, durou seis meses.
Mas se nunca tinha sido tranquilo este relacionamento,depois disto regrediu muito por um bom tempo,sendo que o meu sofrimento e atraso em vários anos no processo do meu amadurecimento Asperger,mostrou quão terriveis são as consequencias de se querer impor um Choque de Realidade a um filho Asperger!
As consequencias poderiam ter sido piores, muito piores, e corri um sério risco de pirar de vez e me deixar cair na loucura,não sei como isto não aconteceu!
Fica aqui o alerta aos pais e mães de Asperger, para que nunca, jamais mesmo,tentem fazer isto com seus filhos,especialmente sendo eles Asperger!
Choque de Realidade-Nunca mais !

Cristiano Camargo

Um comentário:

  1. Eu passei por situação meio parecida com a sua. Eu queria prestar o vestibular, mas minha mãe não quis me ajudar. Naquela época eu estava desempregado e ela até pagou um ano de cursinho pra mim, mas eu não consegui a aprovação e ela não quis continuar me ajudando. Depois disso eu tive que me virar, fiz um curso no Senai e fui trabalhar das 6h às 20h de segunda a sábado. O mais duro é que eu já tinha tido muitas decepções com pessoas de fora, mas com a minha mãe essa quebra de confiança foi terrível.

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